Revisão
Plano Diretor não aponta requalificação de bairros afetados por mineração da Braskem
Documento prevê que região seja acompanhada por décadas; especialistas pedem que local preserve memória


A poucos dias da entrega da atualização do Plano Diretor de Maceió à Câmara de Vereadores, a prefeitura vive um momento decisivo: reescrever o futuro urbano sobre as feridas ainda abertas de um dos maiores desastres ambientais do País.
O documento classifica como “Zona de Monitoramento e Reparação (ZMR)” os bairros atingidos pelo afundamento do solo causado pelas 35 minas de sal-gema da Braskem.
A medida, segundo a prefeitura, é necessária por conta dos riscos de colapso das minas, mesmo após o fechamento previsto até 2026. Urbanistas e arquitetos, porém, cobram que a área tenha uma função social clara e preserve a memória coletiva dos bairros apagados do mapa.
Os bairros do Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol, hoje silenciados e esvaziados, foram classificados no novo Plano como regiões que serão monitoradas continuamente por décadas.
Desde 2019, mais de 60 mil pessoas foram realocadas dessas áreas, que figuram entre as mais graves da Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade). Especialistas, ex-moradores e lideranças comunitárias criticam a ausência de um projeto de reabilitação social, cultural e urbana para os territórios afetados.
“É uma tragédia que virou fantasma urbano. Não pode haver ocupação, mas também não há plano de reabilitação social ou histórico”, lamenta o professor Zoroastro Medeiros, ex-morador do bloco 13 do Condomínio Jardim das Acácias.
Para ele, não se pode permitir um novo uso urbanístico sem antes reconhecer a dor coletiva: “Esses projetos aprofundariam a dor de milhares de famílias que perderam casas, histórias e vínculos”.
A professora e pesquisadora da Ufal Maria Angélica da Silva defende que a região não pode cair no esquecimento: “Quando for possível, tem que haver um registro de memória com parque ecológico, centro memorial, museu e equipamentos que preservem a história social da população local”.
Ela relembra que a área abrigou personalidades como a psiquiatra Nise da Silveira e deve seguir exemplos de tragédias urbanas com marcos memoriais, como Carandiru e Mariana.
Já a arquiteta Maria Helena de Almeida Mortimer reforça que o Plano Diretor deve incluir essa demanda no documento: “Isso precisa constar no texto legal, com participação dos ex-moradores e famílias afetadas pela mineração irresponsável”.
LAÇOS AFETIVOS
A proposta atual não dá perspectiva concreta de uso do solo, nem mesmo para iniciativas simbólicas. O comerciante José Antônio da Silva, que perdeu seu negócio no Bom Parto, resume o sentimento: “Nem um memorial pode ser erguido. Isso é lamentável. A cidade tem que lembrar o que aconteceu ali”.
O presidente do Iplan, Antônio Carvalho, explica que a Zona de Monitoramento e Reparação inclui partes dos cinco bairros afetados.
“O objetivo do Plano é garantir que a área seja monitorada de forma contínua e que estudos técnicos aprofundados sejam feitos para entender os impactos sociais, ambientais e urbanísticos”, afirma. Segundo ele, qualquer uso futuro dependerá de responsabilidade, critérios técnicos e escuta da população.
Mas a escuta popular é outro ponto criticado. “Foi protocolar, quando deveria ser protagonista”, afirma o vereador David Empregos (UB), ex-morador da região.
A vereadora Olívia Tenório (PP), que preside a CCJ, afirma que a cidade precisa de tempo para decidir. “Por ora, é uma terra de instabilidade geológica”. A maioria dos vereadores, inclusive, tem laços afetivos com os bairros atingidos.
A dispersão das famílias realocadas, sem políticas de integração, gerou sobrecarga em outras regiões. “A cidade vive um caos na mobilidade e expansão imobiliária”, alerta o vereador Allan Pierre (MDB).
O MPF acompanha a revisão do Plano. As procuradoras Juliana Câmara, Niedja Kaspary e Roberta Bomfim cobram que a destinação futura da área não permita exploração econômica pela Braskem.
O promotor Jorge Dórea lembra que o Plano deve seguir o Estatuto da Cidade: “função social da propriedade, participação cidadã e sustentabilidade”.
A Braskem diz ter pago R$ 4,2 bilhões em compensações, cobrindo 99,2% dos acordos. Mas especialistas e ex-moradores afirmam que os valores ignoram o trauma e a perda de identidade coletiva.
O presidente da Comissão de Assuntos Urbanos, vereador Marcelo Palmeira (PL), diz que vai aguardar a chegada oficial do projeto à Casa: “O plano tem que refletir a Maceió de hoje”.
Se a revisão ignorar a dor de milhares de maceioenses, limitando-se a mapas e zonas de exclusão, a cidade corre o risco de transformar uma tragédia em esquecimento, alertam pesquisadores, lideranças comunitárias e o Ministério Público.