Estudos
A imunidade às doenças

A imunidade às doenças
Marcos Davi Melo – médico e membro da AAL e do IHGAL
Quando o médico inglês Edward Jenner descobriu a vacina para a varíola, em 1796, exclamou: “A alegria que senti na perspectiva diante de mim de ser o instrumento destinado a tirar do mundo uma das suas maiores calamidades foi tão excessiva que algumas vezes me encontrei em uma espécie de devaneio”. As epidemias de varíola e outras doenças transmissíveis, como a peste bubônica, eram então a principal causa de mortalidade humana, superando em muito as guerras e outras enfermidades.
Assistimos a toda hora amigos, familiares e nós mesmos pegarmos ou não viroses diferentes que variam em como elas afetam as pessoas. Existem alguns que sempre pegam a virose que está grassando, e outros que raramente são acometidos. Nesta semana, o Prêmio Nobel de Medicina foi outorgado a três pesquisadores, sendo dois norte-americanos, Mary Brunkow, de 63 anos, e Fred Rasmdell, 64, e o japonês Shimon Sakaguchi, de 74. Os três desenvolveram trabalhos fundamentais para compreender a chamada tolerância imunológica periférica, um dos processos pelos quais o organismo consegue distinguir entre ameaças vindas de fora do organismo e seus próprios componentes.
Esse processo é essencial para que as células do sistema de defesa do organismo ou sistema imune não se voltem contra os próprios componentes do corpo, um fenômeno que, quando desencadeado, leva às chamadas doenças autoimunes (como o lúpus, a esclerose múltipla, o diabetes tipo 1). Esse reconhecimento deriva, entre outras coisas, da capacidade de nosso sistema de defesa de reconhecer moléculas na superfície de micróbios invasores, distinguindo-as assim das moléculas que existem na superfície das células do próprio organismo.
Na chamada tolerância imunológica central, o “controle de qualidade” acontece, como o nome diz, num único centro de processamento do organismo, o timo, uma pequena glândula localizada perto do coração. No timo, células de defesa com potencial de atacar o próprio corpo são eliminadas. Mas esse processo não é totalmente eficiente e o restante do trabalho de controle desse risco pelo organismo cabe à tolerância imunológica periférica.
Foram os estudos sobre essa tolerância periférica que levaram os pesquisadores ao Nobel. Esse conhecimento advindo dessas pesquisas são muito úteis não apenas para enfrentar as doenças autoimunes propriamente ditas como também para buscar formas mais eficientes de transplantes de órgãos, que dependem justamente da capacidade de segurar e controlar os ataques do nosso sistema de defesa.
No campo das doenças autoimunes, os estudos estão avançando, mas em fase mais inicial. Em relação ao câncer, existem alguns avanços em imunoterapia, mas em relação às doenças transmissíveis, aquela vacina descoberta por Edward Jenner há mais de 200 anos e submetida a extraordinárias variáveis e a formidáveis aprimoramentos é quem mantém a humanidade em outro patamar. A humanidade sem vacinas poderia deixar de existir.