Xô piolhos e preconceito: empreendedora cria salão especializado em acabar com parasitas

A infestação por piolhos sempre foi cercada de preconceitos e estigmas sociais. Muitas famílias ainda associam o problema à falta de higiene, quando, na verdade, ele pode atingir qualquer pessoa, de todas as idades, independentemente de classe social ou hábitos de limpeza. Essa visão equivocada acaba gerando constrangimento e até isolamento para crianças e adultos, que sofrem não apenas com a coceira, mas também com o olhar de julgamento da sociedade.

Em Maceió, um salão especializado vem quebrando esses tabus ao oferecer um serviço voltado exclusivamente para o tratamento de piolhos. O espaço se diferencia por utilizar técnicas livres de produtos químicos agressivos, garantindo mais segurança para todos. A iniciativa mostra que é possível tratar o problema de forma eficaz, ao mesmo tempo em que ajuda a desconstruir preconceitos e a devolver o bem-estar às famílias.

Por trás do Xoo Piolhos está a empreendedora Clisiane Santos, de 42 anos. Formada em Direito, ela decidiu abrir o salão exclusivo para tratamento de piolhos a partir de uma necessidade pessoal. Um problema que acabou virando um negócio inovador.

“Minha filha pegou piolhos e, consequentemente, por sermos muito apegadas, peguei também. Inicialmente, fiz como todas as mamães fazem e comprei shampoo de farmácia. Fiz o tratamento em casa, e de forma instintiva, com diversas varreduras com pente fino e, por alguns dias, consegui resolver o problema. Posteriormente, veio outra infestação e pegamos novamente. Nesse momento percebi que havia uma falha. Fiquei me perguntando o porquê de não haver um serviço que tratasse das famílias com esse tipo de problema na cidade. Foi daí que surgiu a ideia do estúdio”, afirma Clisiane.

A partir desse despertar, a empreendedora foi pesquisar e se aprofundar a respeito dos produtos que poderia utilizar para eliminar piolhos e lêndeas (os ovos dos piolhos). A ideia era ter um diferencial que fosse eficaz e que fugisse dos produtos que são comercializados em farmácia. Além disso, ela também precisou pensar na privacidade das famílias que, muitas vezes, têm receio de expor a situação, devido aos estigmas sociais.

“Me aprofundei e pesquisei empresas dentro e fora do Brasil. Peguei as iniciativas mais viáveis e montei o estúdio. Desde o início, a ideia era oferecer unicamente o serviço de catadora de piolhos. Nada mais que isso. Nunca tive salão de beleza. Já atuei como advogada e agora sou servidora pública e, no tempo vago, atendo, com hora marcada, quem procura o estúdio. Aqui, priorizamos a privacidade, e cada horário é dado de forma exclusiva para a família. Ninguém chega naquele horário, além da família previamente agendada”, conta Clisiane.

O estúdio vem funcionando há um ano, de domingo a domingo, nos três turnos, sempre com agendamento prévio. Dessa forma, todos os pais e mães que trabalham e não têm muito tempo livre podem tratar a pediculose de cabeça - como também são chamados os piolhos. “Não temos horários fixos. Sempre vai depender da necessidade da família e da nossa disponibilidade”, afirma.

ÓLEO EXCLUSIVO

O tratamento diferenciado é feito com a aplicação de óleo essencial 100% natural, que é desenvolvido no próprio estúdio.

“É um óleo exclusivo desenvolvido para facilitar a retirada dos parasitas. Esse óleo tem o poder de agir com ação repelente, antifúngica, calmante, cicatrizante e hidratante. E fazemos a varredura com vários tipos de pentes finos. O tratamento é realizado em duas etapas. A primeira é chamada de sessão de ataque, para paralisar a coceira e retirar os parasitas. A segunda é chamada de sessão fechamento de protocolo, e é marcada para o quinto, sexto ou sétimo dia após a primeira parte do processo. Aqui vamos repetir o procedimento e garantir a eficácia do método”, explica a exterminadora de piolhos.

O valor cobrado pelo serviço varia de pessoa para pessoa, de acordo com o tipo, tamanho e volume dos cabelos. Até o momento, o espaço só recebeu clientes do sexo feminino - mulheres e meninas -, de idades que vão de menos de dois anos até 40 anos.

“O caso mais complicado foi o de uma criança com menos de dois anos que a mãe estava com gêmeos recém-nascidos. Ela não sabia o que fazer e acabou colocando em prática várias receitas que viu na Internet. A cabeça da criança tinha feridas, além do grau severo de infestação. As duas sessões duraram quase seis horas. Mas foi muito gratificante. Na segunda sessão, a criança voltou com as feridas sequinhas. E fechamos o protocolo”, afirmou.

Clisiane conta ainda que a maior barreira encontrada por ela ainda é a aceitação das pessoas para entender que precisam de ajuda. “A nossa maior missão é esclarecer da maneira mais objetiva possível as inverdades que surgem quando se fala em piolhos. Enfrentamos as barreiras da vergonha, do medo, da falta de tempo e de informação sobre como iniciar o tratamento até mesmo em casa. Esses quatro fatores, provavelmente, levam famílias a buscarem ‘receitas milagrosas’ na Internet e no boca a boca”, fala.

A empreendedora diz que os relatos que chegam ao estúdio são assustadores. “São aplicados desde cachaça a veneno para insetos em crianças e adultos. E o resultado são reações adversas, como ressecamento dos fios, irritabilidade no couro cabeludo, escamação, aumento da coceira por dermatite, agravamento das feridas, e até problemas respiratórios. Mesmo correndo esses riscos, a vergonha e o medo do julgamento fazem com que as famílias se submetam a tratamentos perigosos da Internet”, destaca.

AJUDA PROFISSIONAL APÓS VÁRIAS TENTATIVAS

A assistente de Recursos Humanos, Gabriela Alves, recorreu aos serviços da Xoo Piolhos para tratar a filha Sofia, de 7 anos, que estava sofrendo com uma infestação. Ela buscou o serviço especializado após tentar, por um mês, outras alternativas para tratar o problema. Foram três tipos diferentes de remédios de farmácia, uma ida ao dermatologista, que receitou um remédio via oral, e shampoo específico para eliminar o parasita. Nada resolveu.

A ajuda profissional chegou em uma boa hora. Sofia estava com vergonha de ir para a escola e passou 15 dias em casa, enquanto a mãe buscava um tratamento. “Durante esse tempo, ela chorava, triste. Além da coceira, ficou com muita vergonha e eu me senti péssima por não estar conseguindo, principalmente porque tudo aconteceu durante o meu resguardo. Estava operada, com um recém-nascido, e tendo que vê-la triste diante de toda essa situação”, lembra Gabriela.

Foi quando, nas redes sociais, ela conheceu a Xoo Piolhos e buscou informações no sentido de compreender como funcionava o tratamento e que produtos eram utilizados, considerando que Sofia tem dermatite atópica por contato. “Foi quando fiquei sabendo que era um tratamento humanizado e feito com produto natural, com óleo essencial”, disse.

A família seguiu todos os protocolos orientados por Clisiane após a primeira sessão de tratamento. No retorno para a segunda sessão, Sofia já estava livre dos piolhos.

“Conseguimos. Quando ela voltou ao salão já não tinha mais ovo e nem piolho. Ela saiu do salão muito alegre quando Clisiane fez a varredura e não tinha nada. O óleo que é usado alivia muito a coceira. Sofia já estava com algumas pequenas lesões e tudo cicatrizou”, concluiu Gabriela.

ORIENTAÇÃO MÉDICA

O médico pediatra Helder Costa explica que o piolho é um inseto (Pediculus humano capitis) que se alimenta, exclusivamente, de sangue humano em couro cabeludo. A transmissão ocorre no contato direto cabeça-cabeça - em brincadeiras e abraços, por exemplo -, e também por meio do contato indireto, com o compartilhamento de objetos pessoais, como pentes, chapéu, tiaras e travesseiros.

Ele destaca que os medicamentos vendidos em farmácias, como shampoos e sprays, contém inseticidas e produtos siliconados, que podem provocar intoxicações, reações alérgicas, coceira e ressecamento no couro cabeludo. “Apesar disso, são seguros quando usados conforme orientação médica. Há também métodos alternativos ou associados a medicamentos, como o uso do pente fino e a remoção manual”, completa o pediatra.

Ele diz que não existe predisposição genética quando o assunto é infestação por piolhos, como muitos pensam. “O que há é uma maior exposição ou reinfestação, devido a ambientes com muitas crianças juntas, como creches e escolas. Inclusive, não tem relação com falta de higiene, pois o inseto gosta do couro cabeludo limpo”, conclui o médico.

ALGUMAS VERDADES SOBRE PIOLHOS QUE VOCÊ NÃO SABE

- Piolhos não voam e nem pulam de uma cabeça para outra;

- A lêndea é o ovo do piolho e não o filhote dele;

- A falta de higiene não está relacionada à proliferação de piolhos.

- O uso diário de pente fino é uma ótima maneira de eliminar os piolhos;

- Temperaturas mais elevadas podem acelerar a eclosão dos ovos e o ciclo de vida do inseto;

- A principal forma de transmissão é o compartilhamento de objetos pessoais;

- Ninguém está imune: crianças, adultos e idosos podem ser infestados.

Fonte: Instituto Oswaldo Cruz