loading-icon
MIX 98.3
NO AR | MACEIÓ

Mix FM

98.3
sábado, 11/10/2025 | Ano | Nº 6074
Maceió, AL
31° Tempo
Home > Cidades

BRINQUEDOS OU TELAS

O desafio de crescer como uma criança

No Dia das Crianças, especialistas e famílias alagoanas refletem sobre a infância na atualidade

Ouvir
Compartilhar
Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Whatsapp
especialista diz que  maior necessidade da criança hoje é o contato humano
especialista diz que maior necessidade da criança hoje é o contato humano | Foto: — Foto: Ailton Cruz

Mesmo em um tempo em que as telas se tornaram companhia constante, o brincar na rua, as rodas de conversa e os jogos inventados com o que se tem à mão ainda resistem. Em Alagoas, 561.647 crianças vivem realidades diversas. Elas representam 17,95% da população do Estado, segundo dados mais recentes do IBGE. Neste Dia das Crianças, a Gazeta mergulha no cotidiano da infância alagoana, entre consumo, direitos e o que significa, afinal, ser criança.

De acordo com levantamento da Fecomércio Alagoas, os brinquedos continuam liderando as intenções de compra neste Dia das Crianças, seguidos por roupas e eletrônicos. A maioria dos consumidores (36%) comprará apenas um presente, destinado principalmente a sobrinhos, filhos e netos.

Mas a infância não se resume ao consumo. Para a psicóloga Jane Grayce Silva Barros Martins, especialista em psicologia da educação, a maior necessidade da criança hoje é o contato humano. “Os principais desafios emocionais vivenciados por crianças atualmente têm relação com o excesso de sentimentos, como raiva, humor desregulado, muita irritabilidade e insegurança nas relações”. A especialista reforça que as crianças precisam se relacionar para aprender a lidar com os sentimentos que surgem nesse processo.

Jane explica que o envolvimento excessivo das crianças com aparelhos tecnológicos e com a internet tem influenciado crianças a perderem o interesse em interagir socialmente. “O cérebro não consegue processar toda essa dopamina, então há mais alteração sensorial, mais dificuldade com o sono, muita irritabilidade, vício”.

Para a psicóloga, o brincar é insubstituível. “É através das brincadeiras que as crianças desenvolvem habilidades motoras, cognitivas, sociais e afetivas, além de estimularem a criatividade e a imaginação”.

Monique e o filho Miguel de 4 anos
Monique e o filho Miguel de 4 anos | Foto: — Foto: Acervo pessoal

ROTINA LONGE DAS TELAS

Monique Sarmento, mãe do pequeno Miguel, de 4 anos, compartilha a rotina do filho: “Pela manhã vai à escola e, à tarde, além do brincar livre em casa, tem atividade extracurricular como a natação”. Ela valoriza esses momentos como forma de socialização e redução do uso de telas. “Nosso foco são as brincadeiras da idade e que ele aproveite ao máximo essa fase linda e única que é a infância”.

Neste ano, a família decidiu inovar na celebração: “Miguel recebeu um valor semanalmente e, com a nossa ajuda, escolheu um presente que coube no seu orçamento, aprendendo assim um pouco de noção financeira dentro dos limites da idade”.

Alderita com o Benício de 5 anos
Alderita com o Benício de 5 anos | Foto: — Foto: Acervo pessoal

Alderita Alcântara, mãe de Benício, de 5 anos, também busca preservar o brincar. “Brinca em casa, na pracinha, no prédio. Brinca de futebol, pega-pega, esconde-esconde, queimado, anda de bicicleta, trator elétrico. Buscamos, na medida do possível, que ele tenha uma infância como tivemos quando éramos crianças”.

Sobre os presentes, Alderita conta que o filho escolheu três Legos: do sistema solar, de uma estação espacial e um carro da Ferrari. Quanto à tecnologia, ela afirma: “Não é fácil, mas conseguimos ‘blindar’, de certa forma, ele de coisas que não são para a idade dele”.

Giovanna, de 10 anos, e Helena, de 6
Giovanna, de 10 anos, e Helena, de 6 | Foto: — Foto: Acervo pessoal

Marcela Martine, mãe de duas meninas — Giovanna, de 10 anos, e Helena, de 6 — também tenta equilibrar o tempo entre estudo, brincadeiras e o uso de eletrônicos. “Os dias são bem movimentados. Elas estudam à tarde, no mesmo horário, para otimizar a rotina. Mesmo com a diferença de idade, faço questão de que as duas tenham tempo para brincar, seja juntas ou cada uma do seu jeito. Essa é parte essencial da infância”, afirma.

Para ela, a infância deve ser vivida com leveza. “Quero que elas aproveitem essa fase sem tanta pressa de crescer. Mesmo morando em apartamento, tento improvisar: deixo elas pintando no box do banheiro, o corredor vira campo de futebol. É importante que brinquem, errem, criem histórias, se sujem e aprendam com isso”, afirma.

Neste Dia das Crianças, Marcela apostou em presentes que unem diversão e aprendizado. “Para a mais velha escolhi um livro, e para a mais nova, um brinquedo de montar”.

Ela reconhece que os desejos mudaram, mas acredita que o essencial permanece. “Hoje as crianças são mais conectadas e acabam querendo coisas modernas, mas quando oferecemos tempo e atenção, elas ainda se encantam com brincadeiras simples. O nosso tempo é o melhor presente”.

BRINCAR É DIREITO, NÃO LUXO

O promotor Gustavo Arns, da Infância e Juventude, da 13ª Promotoria de Justiça da Capital, fala sobre as mudanças que tem observado em relação às crianças. “Temos presenciado uma mudança silenciosa, mas profundamente preocupante, no modo como as crianças vivem a infância”, pondera.

O promotor observa que a infância, antes marcada pelo brincar, pela convivência e pela experimentação do mundo real, passou a ser vivida através de telas. Para ele, essa transformação exige ação coletiva. “Estamos diante de uma crise de saúde pública. Não se trata apenas de um problema familiar, mas de uma questão coletiva, que exige políticas públicas, escolas comprometidas com a educação integral e famílias corajosas o bastante para estabelecer limites claros”, observa. Arns destaca a importância de não substituir o brincar livre pelo tempo de tela. “É urgente recuperar o valor da infância real — aquela feita de experiências, convivência, vínculos e afeto”, alerta.

CONSTRUÇÃO SOCIAL

A antropóloga Marina Rebeca Saraiva, doutora em Antropologia Social e pesquisadora na área de estudos da infância, destaca que a infância é uma construção social e histórica, sujeita às transformações da sociedade. “Não é uma fase natural e imutável. Ela muda conforme mudam os valores e as estruturas sociais. O desafio está em compreender as consequências dessas mudanças para as crianças e para a sociedade como um todo”, afirma.

Para a especialista, a partir do reconhecimento da criança como sujeito singular, com demandas e direitos próprios, foi possível construir um “mundo da infância”, um espaço de proteção social distinto do universo adulto. “Esse mundo não se define por objetos coloridos ou produtos voltados ao consumo. Ele é, acima de tudo, um lugar onde as crianças devem estar resguardadas das mazelas da vida adulta. Cabe aos adultos resolver esses problemas, não às crianças”, pontua.

Saraiva alerta que esse espaço de proteção vem se desfazendo diante do acesso precoce à internet e às redes sociais. Para ela, o problema não está na tecnologia em si, mas nos conteúdos que chegam às crianças, muitas vezes carregados de expectativas estéticas, cobranças de desempenho e pressões sociais. “Estamos vendo crianças lidando com questões que deveriam surgir apenas na vida adulta”, observa.

Por fim, a pesquisadora critica a ideia que transforma a criança apenas em um projeto de futuro, lhes tirando, inclusive, o tempo livre. “As crianças são sujeitos do presente, com voz, desejos e formas próprias de viver. Precisamos escutá-las, incluí-las na construção de políticas públicas e reconhecer que o tempo da infância é feito de experiências, liberdade e brincadeira, e não de metas e desempenho”, conclui.

Psicóloga Jane Grayce destaca que a criança precisa aprender a lidar com os sentimentos
Psicóloga Jane Grayce destaca que a criança precisa aprender a lidar com os sentimentos | Foto: Acervo pessoal

Relacionadas