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POPULAÇÃO TRANS

Entidades de AL criticam proibição de uso de bloqueadores hormonais e falam de impactos na vida de jovens trans

Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu terapias hormonais em menores de 18 anos

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A recente resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), que proíbe o uso de bloqueadores hormonais para menores de 18 anos, gerou forte reação em Alagoas. Organizações que defendem os direitos da população trans alertam para os impactos negativos da medida, especialmente na saúde mental dos jovens trans, e denunciam o retrocesso nos direitos desses indivíduos. Entidades como o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) e a ONG Mães da Resistência exigem a revisão da norma, afirmando que a decisão coloca em risco a saúde e o bem-estar de adolescentes que dependem desses tratamentos para evitar as mudanças hormonais da puberdade.

Em Alagoas, os impactos dessa medida são sentidos por famílias e jovens trans, que enfrentam um contexto já desafiador. Benan Morais, coordenador do núcleo de Alagoas do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT), ressalta que a principal mudança trazida pela resolução se refere à idade mínima para cirurgias, elevando a exigência de 18 para 21 anos. Contudo, ele aponta que a situação dos adolescentes já era afetada pela legislação estadual. “Na verdade, a resolução muda mais as condições de acesso dos adultos às cirurgias, por exemplo, com a mudança de idade de 18 para 21 anos, que as dos adolescentes. Uma vez que estes já estavam proibidos pela lei publicada no início do ano pelo governo de Alagoas”, afirma Benan.

A resolução do CFM traz, no entanto, impactos ainda mais graves para os adolescentes que desejam iniciar tratamentos hormonais, como o uso de bloqueadores, para evitar as transformações físicas da puberdade. Para os jovens que já estavam em tratamento, a medida não altera a situação, mas para aqueles que ainda não haviam iniciado o processo, a proibição se torna um grande obstáculo. “Os adolescentes do país inteiro que já fazem uso de bloqueadores seguirão fazendo, o que muda é para o acesso dos que ainda não iniciaram o uso, que não poderão iniciar. Mas, de novo, pra Alagoas, isso já estava valendo desde janeiro, então aqui eles já não poderiam fazer uso desde o início do ano”, explica Benan.

Os riscos de interrupção do tratamento

A interrupção do acesso aos bloqueadores hormonais pode ter sérias repercussões na saúde mental dos jovens trans, o que é uma preocupação central entre as organizações de apoio. O maior risco, segundo Benan, é o aumento da disforia de gênero, condição que gera uma desconexão entre a identidade de gênero e o corpo, levando a um sofrimento extremo. "Passamos a última semana conversando com adolescentes, de toda parte, assustados, temerosos de não poderem ter acesso aos bloqueadores no tempo que ainda lhes resta para evitar as mudanças hormonais da adolescência. O maior risco é representado pela disforia, que acaba dando vazão à automutilação (cortes feitos pelos próprios adolescentes em si mesmos), em ideações suicidas ou nas tentativas propriamente ditas", alerta Benan.

Em Alagoas, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) afirmou que tem procurado garantir cuidados adequados para pessoas transgênero e transexuais, oferecendo serviços especializados. O Ambulatório de Disforia de Gênero, localizado na Clínica da Família do Jacintinho, em Maceió, atende atualmente 392 pacientes, com uma equipe multidisciplinar composta por endocrinologistas, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros. A Sesau assegura que a assistência integral inclui a atenção às pessoas que já estão em processo transexualizador, bem como aquelas que ainda não iniciaram a terapia hormonal, recebendo suporte adequado. Além disso, o Hospital Universitário (HU oferece tratamento especializado para a população trans, com o ambulatório Trans do Hospital Universitário atendendo mais de 140 pacientes.

Retrocesso nas políticas de saúde

A ONG Mães da Resistência, que atua em Alagoas na defesa dos direitos das pessoas trans, também tem se posicionado contra a resolução do CFM, considerando-a um retrocesso nos direitos da população trans. Segundo a coordenadora da ONG, Adriana Lou, a decisão do CFM não teve embasamento científico adequado e desconsidera os danos que pode causar aos jovens trans. "Essa Resolução do CFM não teve ampla discussão, tão pouco foi apresentado embasamento científico que a subsidiasse, ferindo a autonomia médica e desconsiderando o mal que acarretará às crianças e adolescentes trans", afirma Adriana.

A Lei Estadual nº 9.486, que já restringia o acesso a bloqueadores hormonais para menores de 16 anos, tem gerado um impacto significativo na saúde mental dos jovens trans no estado, conforme observa Adriana.

“A preocupação das famílias é enorme, pois compromete a saúde mental desses adolescentes, fragilizando-os. Infelizmente a população trans é uma das que mais sofrem violências, sendo elas físicas ou psicológicas, como os dados do Relatório Anual da Antra nos mostram, sendo as mulheres trans e travestis as mais assassinadas e a população transmasculina a que mais sofre por suicídio”, destaca.

A ONG tem buscado apoio junto ao Ministério Público e está articulando ações jurídicas para tentar reverter a resolução do CFM. "Em Alagoas estamos em contato com o Ministério Público. Em nível nacional estamos entrando com ação liminar contra a Resolução", revela Adriana. Além disso, ela destaca que, apesar das dificuldades, o trabalho da ONG continua oferecendo suporte às famílias afetadas, buscando tranquilizá-las diante das incertezas geradas pelas novas restrições. “Como nós de Alagoas já sofremos há alguns meses com essas decisões inconstitucionais, tentamos tranquilizar as famílias afetadas, pois defendemos que tanto a Lei Estadual quanto a Resolução sejam revistas”, conclui Adriana.

A decisão do CFM de restringir o acesso de menores de 18 anos a bloqueadores hormonais tem sido interpretada por muitos como uma afronta aos direitos da população trans, especialmente considerando as recomendações internacionais de saúde. A postura do CFM é vista por Benan e Adriana como um retrocesso prejudicial à saúde mental e ao bem-estar de jovens trans, que já enfrentam desafios imensos em uma sociedade marcada pela transfobia. “Nenhum dos serviços implantados ou de seus profissionais por todo o país tem outra intenção que não seja o bem-estar das nossas crianças e adolescentes. Tudo o que nós queremos é conseguir ofertar um cuidado de qualidade e responsabilidade com a saúde integral de cada um deles e, nessa população, esse cuidado é, principalmente, com sua saúde mental”, finaliza Benan.

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