EM 7 ANOS
Tragédia da Braskem completa 7 anos em meio a pedido de revisão e incerteza
Acordos por danos morais, no valor de R$ 40 mil por família, enfrentam ações judiciais para serem revisados


Há sete anos, um tremor de terra de magnitude de 2,5 foi registrado no bairro do Pinheiro, em Maceió. Era o início de uma das maiores tragédias urbanas do mundo: o afundamento do solo, que, em efeito dominó, atingiu cinco bairros. Quase uma década depois, moradores, indenizados ou que aguardam decisão judicial, dizem ainda não terem superado o prejuízo emocional e financeiro.
O Serviço Geológico do Brasil apontou a Braskem como responsável pelas rachaduras que atingiram os bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol, devido à extração de salgema, que causou instabilidade no solo. Segundo a petroquímica, foram pagos R$ 4,19 bilhões em indenizações e auxílios a moradores e comerciantes que aceitaram os valores acordados no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), criado em 2019.
Ainda tramitam processos de vítimas que não aceitaram as indenizações por danos morais estabelecidas pela Braskem e recorreram à Justiça para obter os valores requeridos. Além disso, moradores dos Flexais, excluídos das áreas de realocação pela Defesa Civil, não tiveram direito à indenização. Também há ações para revisão de acordos já firmados extrajudicialmente.
A tragédia começou em 3 de março de 2018, quando moradores sentiram um tremor de terra. Pouco depois, as primeiras rachaduras surgiram em residências e no solo do bairro Pinheiro. Rafael Ferreira foi um dos primeiros a deixar sua casa com a família. Seu prédio rachou, e, em uma noite chuvosa, ele percebeu o problema quando a água começou a invadir o apartamento. “Foi aí que o pesadelo começou”, afirmou.
Rafael perdeu tudo e ver o quarto da filha somente à base de concreto destruído foi o que mais o abalou. “Tivemos que deixar quase tudo para trás: cama, guarda-roupas, até bonecas”, conta ele. O apartamento dele foi lacrado pela Defesa Civil e, enquanto esteve no isolamento, o imóvel foi arrombado e saqueado.
“Fiquei sem acreditar no primeiro momento. Minha esposa estava grávida. Parecia que estávamos numa guerra, onde ninguém sábia de nada. Até hoje esse assunto me deixa desconfortável, pois tinha casa, carro todo quitado, sem falar da minha vida, que deixamos pra trás”, conta ele, que morava no Pinheiro há cerca de 30 anos.
Ao sair de casa, ele alugou um apartamento no bairro da Santa Amélia. “Foi o primeiro que eu achei no dia seguinte das rachaduras”. Rafael conta que naquele período ele sentia medo do que estava por vir. Por isso, aceitou o acordo de R$ 202 mil. “Esperamos quase dois anos. Mas não pagava nem o apartamento”, diz ele.
Para quitar a nova moradia na Santa Lúcia, adquirida por R$ 250 mil — valor superior à indenização recebida e distante de sua antiga residência —, Rafael vendeu o carro por R$ 30 mil e fez um empréstimo de R$ 20 mil. Em 2024, precisou gastar mais R$ 60 mil em reformas e, para isso, vendeu um segundo carro. “Eu me quebrei. Até hoje sinto muito. Não me acostumei onde eu moro. Ninguém vai saber a dor que sentimos, muitas lágrimas”.
Segundo a Braskem, cerca de 40 mil moradores da área de desocupação definida pela Defesa Civil em 2020 foram realocados preventivamente. Até janeiro deste ano, o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) tinha apresentado 19.189 propostas, das quais 19.058 (99,3%) foram aceitas e 18.977 (98,9%) já indenizadas.
Os mais de R$ 4 bilhões pagos incluem auxílios como mudança, aluguel temporário, guarda-móveis, transporte e cuidados com animais de estimação. As indenizações abrangem danos materiais e morais, considerando benfeitorias, localização, área construída e tamanho do terreno.
Não foi o melhor acordo, foi o possível
A Defensoria Pública de Alagoas ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) para revisar os acordos por danos morais. Segundo o defensor Ricardo Melro, a Braskem condicionou o pagamento dos danos materiais à aceitação de R$ 40 mil por família a título de danos morais.
“Não foi o melhor acordo. Foi o possível. Tem pontos suficientes e insuficientes. Mas em relação ao dano moral, a Braskem impôs sozinha um método em seu programa de indenização, que nenhuma instituição concordou. As pessoas aceitaram por causa da situação de desespero”, apontou ele.
O defensor informou que o processo da ação coletiva está na fase de provas. “É necessário um acordo definitivo”, pontuou ele, que acrescentou: “Na realidade, as pessoas aceitaram em sua maioria o acordo extrajudicial. O grande problema foi que elas tiveram que aceitar o dano moral para receber o valor do imóvel. Foi uma oferta casada da Braskem. Se não aceitassem o dano moral não receberiam o valor da casa. Essa foi a realidade”, complementou.
Rafael Ferreira foi um deles. Dos R$ 202 mil recebidos, R$ 162 mil foram pagamentos da casa e os R$ 40 mil por danos morais. “Não foi justo. Eu só aceitei pela ‘zuada’ que estava acontecendo. Medo de não receber. Eles venceram pelo cansaço”, afirmou o morador.
“Dano moral precisa ser individualizado. Não existe dano moral por casa, por núcleo familiar”, defendeu Ricardo Melro, que finalizou. “A grande maioria não tinha condições de esperar o desfecho de uma ação e tiveram que aceitar os termos da Braskem”.
O Ministério Público Federal de Alagoas foi um dos órgãos que assinaram o termo de acordo para o Programa de Compensação Financeira da Petroquímica, ao lado do Ministério Público de Alagoas, da Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública de Alagoas.
O MPF afirma que o acordo representou “um importante avanço para garantir a segurança e a reparação das comunidades afetadas”.
“O acordo possibilitou a desocupação de aproximadamente 15 mil imóveis, com indenizações pelos danos materiais e morais, e assegurou que a responsabilidade da empresa fosse reconhecida, dispensando os atingidos de necessidade de comprovação judicial da culpa da Braskem. Além disso, garantiu a liberdade de cada cidadão optar por aceitar a proposta extrajudicial ou buscar a análise dos valores na Justiça”, destacou o órgão ministerial.
Por meio de nota, a Braskem reitera que o PCF é uma alternativa de solução em consenso e que respeita o acordo firmado com as autoridades. A mineradora ressalta que o programa é de adesão voluntária, e os participantes são acompanhados por advogado de sua escolha ou por um defensor público.
Sobre danos morais, ao definir os parâmetros atualmente utilizados pelo programa, a Braskem diz que buscou-se entender a jurisprudência em geral e relativa a processos de alguma maneira análogos ao PCF. E completou explicando que o dano moral é pago ao núcleo familiar ou ao empreendedor (pessoa física ou jurídica).