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Espelho fragmentado de verdades incômodas, o novo livro de Maylson Honorato

Editor de Cultura da Gazeta, autor apresenta “Bromélias imaginárias”, a sua fé inventada na força das palavras; lançamento será nesta terça-feira (9), às 19h, no Theatro Homerinho, em Maceió

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Imagem ilustrativa da imagem Espelho fragmentado de verdades incômodas, o novo livro de Maylson Honorato
| Foto: Gabi Coêlho e Carol Rox Fotografia

Em 2020, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) decidiu dividir a categoria de “Melhor Romance” do Prêmio Jabuti – o mais tradicional reconhecimento literário brasileiro, organizado pela entidade – em duas: “Romance Literário” e “Romance de Entretenimento”. A decisão desmembrou não apenas o gênero, mas a opinião pública, que estranhou a dissociação.

Parte da imprensa viu que esse desmembramento tinha como objetivo contemplar obras de apelo popular e comercial que frequentemente eram preteridas em categorias mais focadas na “arte literária” ou “forma” – nada estranho para um prêmio organizado por uma associação que, embora se denomine sem fins lucrativos, representa editores, livreiros, distribuidores e demais profissionais do setor.

O rebuliço fez o jornalista e professor de literatura Pedro Almeida, então curador do Prêmio Jabuti à época, vir a público para explicar o motivo da subdivisão. “Para nós, há tanto valor no texto literário quanto no de entretenimento que, em geral, não foca na arte no uso da língua, mas traz uma narrativa especial, criativa, que ‘prende’ o leitor mais por seu enredo”, explicou.

Lançamento contará com participações especiais dos atores José Márcio Passos e Roberta Aureliano, e com um bate-papo mediado pela jornalista Flávia Lima
Lançamento contará com participações especiais dos atores José Márcio Passos e Roberta Aureliano, e com um bate-papo mediado pela jornalista Flávia Lima | Foto: Divulgação

Era, portanto, confortável para a CBL, para o leitor, que não precisava pensar muito, e para o autor dos tais romances de entretenimento, que fugia da concorrência “desleal” com o romance literário.

“Bromélias imaginárias”, o livro que o jornalista e escritor Maylson Honorato lança nesta terça-feira (9), às 19h, no Theatro Homerinho, é uma dessas concorrências desleais, no sentido extraordinário da palavra (literária). Formado por 15 contos e um melancólico e poético “Ensaio de Abertura” , o livro de estreia de Honorato, editor de Cultura da Gazeta, tem no uso da língua portuguesa a sua mais fascinante forma. Seria concorrência desleal com o “Romance de Entretenimento”, caso o livro pertencesse à categoria.

“‘Bromélias imaginárias’ nasceu das ausências impostas pelo existir. Pelas faltas que vagam com sua massa gigantesca e invisível pelos cantos da casa. É um livro, sim, feito de vazios. Não tentei preenchê-los”, avisa o escritor no ensaio, à guisa de prefácio.

O próprio “Ensaio...” de abertura é um vazio. Quem o escreveria se chamava Tágore. “Não o místico indiano, mas meu amigo morto, também poeta, aquele que me encontrou quando eu já não acreditava que viveria tamanha intimidade”, revela.

Filho do poeta Audálio Honorato, Maylson cresceu entre livros e diz ter descoberto cedo a palavra como destino — caminho que agora se afirma em “Bromélias imaginárias”
Filho do poeta Audálio Honorato, Maylson cresceu entre livros e diz ter descoberto cedo a palavra como destino — caminho que agora se afirma em “Bromélias imaginárias” | Foto: Gabi Coêlho e Carol Rox Fotografia

Ambientado entre o interior e a capital de Alagoas, o livro trata de lutos grandes e pequenos, do que se quebra na vida cotidiana e das formas, nem sempre óbvias, de continuar. É uma obra de contos poéticos, narrativos e cinematográficos, que aposta numa leitura que convida à imersão e ao estranhamento – e que chega num fim de ano em que muita gente procura presentes com mais sentido do que urgência.

Ao longo da obra, personagens comuns lidam com momentos-limite: um menino e o cavalo que não poderá salvar, uma família se ergue sobre um legado de violência, uma estátua evidencia um destino anunciado, um homem idoso morre sozinho e só é descoberto meses depois, um reencontro sob chuva torrencial revela segredos guardados há anos. “Escrevo muito menos sobre a perda em si e mais sobre o que ela reorganiza dentro da gente”, diz o autor. “Não me interessava fazer um livro para embelezar a dor, mas para devolvê-la ao mundo de outra forma, como uma conversa possível entre o meu luto e o de quem lê”.

A prosa de Maylson Honorato não é triste, embora muitas vezes brote de situações e lugares melancólicos. Mas ele sabe espalhar vagalumes no escuro e o luzeiro revoa em frases como “O aroma da manhã descia das flores”, “Alguma luz ainda arranhava o céu” e “O dia brilhante como a face de uma mãe”, presentes nos contos.

Imagem ilustrativa da imagem Espelho fragmentado de verdades incômodas, o novo livro de Maylson Honorato
| Foto: Gabi Coêlho e Carol Rox Fotografia

Maylson nasceu entre livros e poesia. Filho do poeta popular viçosense Audálio Honorato, cresceu entre poetas parnasianos e clássicos enfileirados na estante de casa - tudo bem diferente da poesia matuta que o pai escrevia. “Acho que ele descobriu ali o que não queria fazer, e eu descobri a linguagem poética. Foi com esses livros e com meu pai que me encantei pelas palavras. E foi exatamente assim, primeiro vieram as palavras”, lembra.

“Com o tempo, outros autores moldaram o meu olhar, como Thomas Mann, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Lygia Bojunga e Lêdo Ivo. Gabriel García Márquez, por exemplo, me mostrou que a prosa pode ter textura poética e que os lugares também são personagens. Saramago me ensinou sobre ironia e fluxo narrativo”, enumera.

O autor de “Cem Anos de Solidão”, aliás, é uma referência em “Bromélias imaginárias” quando se trata de lugares-personagens, ou em pelo menos um título: Duas comadres conversam em uma tarde formosa e fria, que remete a títulos como Um senhor muito velho com umas asas enormes, de Márquez.

Mas Maylson também foi forjado pelo português Valter Hugo Mãe, que o surpreendeu pela capacidade de criar beleza até em histórias difíceis, e pelos dramaturgos Nelson Rodrigues, August Strindberg e Jean Genet. Todos eles, de uma maneira ou outra, talharam um autor original, sensível e humano. “Hoje, estou muito dedicado a ler Graciliano Ramos. Talvez tenha chegado tarde a ele, mas no momento certo para entender a grandeza do que escreveu”.

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Para Igor Lima, estudante de jornalismo e estagiário do autor, Maylson Honorato domina como poucos o encerramento de cada um dos 15 contos presentes no livro. “Quem já se propôs a escrever, nem que fosse uma pequeníssima história, sabe como os últimos parágrafos são os mais difíceis de se colocar no papel”, diz.

“O fim de um conto exige muito mais que técnica, ele requer a habilidade de fazer o leitor fechar o livro sem pressa de passar ao próximo capítulo, se permitindo refletir sobre tudo o que acabou de ler”, defende o estudante. “Maylson faz isso de forma natural, magistral e invejável. Finalizar um dos quinze contos de ‘Bromélias imaginárias’ é como respirar profundamente, fechar os olhos e sentir que viver aquele dia valeu a pena”, afirma.

O livro de estreia do autor viçosense é, por assim dizer, “um espelho fragmentado de verdades incômodas”, como o próprio autor definiu. Um livro cheio de sentimentos: tristes, para quem lamenta; alegres, para quem canta; belos para ambos.

Ficha técnica

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Crítica Literária Cultura Escritores de Alagoas Literatura literatura nordestina Maylson Honorato

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