CINEMA
Alex Garland incomoda o público ao mostrar a guerra no Iraque em tempo real
Longa marca a primeira vez que a A24, produtora queridinha dos cinéfilos, distribui ela própria um projeto no Brasil


Um grupo celebra efusivamente algo que se desenrola numa tela à sua frente. Poderiam ser fãs da A24, entusiasmados com o fato de a produtora queridinha dos cinéfilos estar lançando ela própria, pela primeira vez, um filme no Brasil. Mas a cena pertence aos personagens deste longa, "Tempo de Guerra", num raro momento de alegria.
Daí para frente, os rapazes que vibravam com as moças de um vídeo de ginástica aeróbica pegam em armas e escoltam o espectador por uma hora e meia de agonia, durante a ocupação americana no Iraque em 2006. Corpos mutilados logo ofuscam qualquer expectativa de leveza.
Dirigido por Alex Garland –um ano depois de fazer "Guerra Civil" também para a A24–, em parceria com Ray Mendoza, ex-integrante da Marinha dos Estados Unidos que estreia como cineasta, "Tempo de Guerra" não é uma experiência agradável.
Se "Guerra Civil", em que Wagner Moura tenta entrevistar o presidente durante um violento conflito em território americano, era quase um "road movie", cobrindo vastas quilometragens, "Tempo de Guerra" se desenrola na claustrofobia de um apartamento sitiado pela Al Qaeda.
Dentro, jovens soldados tentam escapar com seus feridos daquele território inimigo, numa missão mostrada ao espectador em tempo real. Conforme corpos vão sendo dilacerados e militares começam a lidar com os primeiros sinais de estresse pós-traumático, silêncios se alternam com o barulho das balas e dos gritos, sem trilha sonora.
O roteiro, também compartilhado com Mendoza, foi escrito depois de eles se conhecerem em "Guerra Civil", em que o veterano serviu de consultor. A trama foi costurada a partir de seus relatos e dos colegas que viveram aquela angustiante uma hora e meia, mostrada ao espectador sem intervalos.
Diferentemente dos delírios hiperbólicos de "Guerra Civil", que incluía até bombardeios à Casa Branca, "Tempo de Guerra" é mais sóbrio e pé no chão. Não há muito a enquadrar além de paredes cobertas por furos e rostos marcados por pânico, numa trama que avança mais pelas relações construídas entre os personagens, conforme o perigo aumenta, do que pela missão em si.
Já para Mendoza, testemunha dos horrores da guerra, a missão principal era ser autêntico, dispensando o heroísmo e a romantização comuns ao gênero de guerra para questionar que sacrifício é esse, feito em nome de líderes que decidiram ir ao campo de batalha sem pensar em quem mais tinha algo a perder.
Encabeçando o elenco, Will Poulter é o mais assertivo, entre a dúzia de jovens atores, quase todos em rápida ascensão no cinema e na TV, que estão na linha de frente de "Tempo de Guerra". Para ele, Hollywood sempre foi vidrada em glorificar a guerra, apesar de suas consequências.
"Tempo de Guerra" faz bom uso da experiência cinematográfica tradicional, dos alto-falantes que explodem e da telona que esfrega horrores gráficos na cara do espectador. Talvez por isso, com medo de o filme de médio porte ir diretamente para o streaming, a A24 tenha optado por lançá-lo no Brasil com suas próprias mãos.