ALÔ, A ARTE ESTÁ CHAMANDO
Artistas leem poemas ao telefone em projeto gratuito
Versão brasileira do ‘Dial-a-Poem’ chega à reta final com Maria Bethânia e Arnaldo Antunes declamando versos


Ligue e ouça um poema. Essa é a proposta do Dial-a-Poem, projeto criado nos anos 1960 pelo artista norte-americano John Giorno e que ganhou uma versão brasileira no início deste ano. A ação faz parte da exposição Sit in My Heart and Smile, em cartaz em São Paulo até o dia 15 de março. É a última oportunidade para quem quiser experimentar a poesia de forma inesperada e imersiva, por meio da voz de artistas, poetas e personalidades.
Entre os 54 declamadores estão nomes como Maria Bethânia e Arnaldo Antunes. No total, 181 faixas com poemas foram gravadas. Quem liga ouve um poema aleatório e pode repetir a experiência quantas vezes quiser. Hilda Hilst, Conceição Evaristo e Carlos Drummond de Andrade são alguns dos autores selecionados pela curadoria.
“Uma oportunidade de descobrir um mundo da poesia e da poesia sonora que estava adormecido”, define Pedro Barbosa, um dos responsáveis pela iniciativa.
Os textos podem ser ouvidos ao discar o número 0800-01-76362, de qualquer lugar do Brasil, ou o (+55 11) 5039-1344, para chamadas internacionais. A iniciativa foi viabilizada pela operadora Vivo.
Marcela Vieira, curadora da mostra que originou a versão brasileira do Dial-a-Poem, destaca, em um dos textos curatoriais, a importância de revisitar a obra de Giorno, que teve grande repercussão internacional. A exposição, realizada na Coleção Moraes-Barbosa, em São Paulo, resgata parte da produção do artista e poeta americano em diversos formatos: impressos, gravações em LPs, leituras performáticas e em suportes como telefone e serigrafia.
“O contexto tecnológico da adaptação da obra de Giorno para os dias de hoje apresenta diferenças cruciais em relação à sua versão original, de 1968. Hoje, não apenas naturalizamos a comunicação por telefone como estamos plenamente adaptados à condição de ouvintes”, reflete a curadora.
Joaquim Pedro, produtor da Coleção Moraes-Barbosa, reforça que o projeto manteve a essência da leitura como performance. “Procuramos ser fiéis ao projeto original, onde a poesia era inseparável da performance e do ativismo dos anos 1960 e 1970”, explica.

Além de Antunes e Bethânia, integram a lista de vozes nomes como Amara Moira, Ana Martins Marques, Denilson Baniwa, Eucanaã Ferraz, Fabrício Corsaletti, Gregório Duvivier, Nuno Ramos, Reinaldo Moraes, Roberta Estrela D’Alva, Trudruá Dorrico e Veronica Stigger.
A ORIGEM DO DIAL-A-POEM
Criado por John Giorno nos Estados Unidos em 1968, o Dial-a-Poem nasceu do desejo de expandir o alcance da poesia para outros meios. Em janeiro do ano seguinte, Giorno reuniu dez telefones e secretárias eletrônicas, permitindo que qualquer pessoa ligasse para um número e ouvisse um poema na voz de um dos 35 escritores envolvidos no projeto.

O sistema funcionou até 1971 e chegou a oferecer cerca de 700 poemas gravados. Além das poesias, o serviço disponibilizava mantras budistas, discursos de membros dos Panteras Negras e um trecho da peça 4’33”, de John Cage.
Agora, mais de meio século depois, a ideia ganha nova vida no Brasil, mantendo-se fiel à proposta de tornar a poesia acessível e imprevisível. Basta um telefonema para que um verso encontre seu caminho até o ouvinte.