Quem foi Joana da Paz, a alagoana que inspirou novo filme com Fernanda Montenegro

Pelas lentes de Joana Zeferino da Paz, a realidade brutal da Ladeira dos Tabajaras, no Rio de Janeiro, se descortinava sem retoques. Traficantes armados circulavam à luz do dia, vendendo drogas diante de crianças e adolescentes. Policiais passavam e desviavam o olhar. Durante dois anos, essa mulher, já octogenária, registrou com sua câmera o que se desenrolava sob sua janela, acumulando provas que levariam à prisão mais de 30 criminosos e policiais corruptos. Seu nome verdadeiro foi mantido em segredo por quase duas décadas. Agora, com sua história transformada em filme, ela se torna "Vitória", interpretada por Fernanda Montenegro.

Joana nasceu em Alagoas, carregando desde cedo uma vida de privações e dores. Aos 13 anos, sofreu violência sexual nas mãos do filho de um fazendeiro. Engravidou, perdeu a filha recém-nascida e seguiu vagando por cidades até encontrar no Rio de Janeiro um recomeço. Trabalhou como empregada doméstica e, depois, como massoterapeuta, até se aposentar. Mas a tranquilidade do apartamento financiado com suor e obstinação foi abruptamente substituída pelo caos instaurado pelo tráfico de drogas.

Inconformada, decidiu reagir. Armou-se não com revólveres, mas com uma filmadora VHS. Filmou o dia e a noite, semeando provas contra os criminosos que transformaram a rua em uma prateleira a céu aberto para cocaína, maconha e crack. Em março de 2004, Joana depositou uma sacola com oito fitas na Coordenadoria de Inteligência da Polícia Civil. O material chegou às mãos do jornalista Fábio Gusmão, que, com paciência e estratégia, conquistou a confiança daquela mulher. Juntos, construíram uma matéria de impacto que expôs um esquema criminoso e resultou em prisões que repercutiram dentro e fora do Brasil.

Mas houve um preço: após a publicação da reportagem, Joana precisou desaparecer. Seu rosto não poderia ser revelado, seu nome se tornou uma lembrança proibida. Foi integrada ao Programa de Proteção a Testemunhas e sumiu. Seu anonimato persistiu até 2023, quando faleceu, aos 97 anos, em Salvador.

A história de Joana Zeferino da Paz está prestes a ser vista nas telas sob o título “Vitória”, um projeto iniciado em 2020 e interrompido pela pandemia e, mais tarde, pela morte do diretor Breno Silveira, em 2022. Andrucha Waddington assumiu a direção. A escolha de Fernanda Montenegro para o papel principal gerou debates. A crítica partiu do fato de que Joana era negra e Fernanda, branca. Por outro lado, argumenta-se que sua identidade foi deliberadamente protegida ao longo dos anos e que o afastamento de suas características reais faz parte da linguagem do filme. “Obviamente, trata-se de uma obra de ficção, mas o roteiro conseguiu manter a essência do que é aquela mulher”, defendeu Gusmão.

No longa, Joana se torna Josefina, e Alagoas cede lugar a Minas Gerais. São escolhas narrativas que visavam manter sua segurança e, ao mesmo tempo, aproximar o público de uma história que atravessa gerações. A narrativa reconta o caso e também se aprofunda na vida da protagonista, desde sua infância até o dia em que decidiu que a justiça não viria se não fosse provocada.

Baseado no livro “Dona Vitória da Paz”, de Fábio Gusmão, o filme estreia em 13 de março, exclusivamente nos cinemas.

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