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Caderno B

PERDENDO A MEMÓRIA

Furto no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e crise no Centro Cultural Arte Pajuçara são sintomas de uma sociedade que abandona a própria história, dizem intelectuais e artistas

Por Maylson Honorato e Thauane Rodrigues | Edição do dia 23/05/2022 - Matéria atualizada em 23/05/2022 às 15h39


As sequelas dos quase dois anos de portas fechadas e do período mais crítico da pandemia de Covid-19 ainda são sentidas com força pelo setor cultural alagoano. Os problemas, que já se amontoavam, agora aparecem como emergências em equipamentos culturais, como o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), que teve parte do seu acervo furtado no dia 9 de maio, e o Centro Cultural Arte Pajuçara, que publicizou recentemente mais uma crise financeira e o risco de fechamento.

Para o presidente da Academia Alagoana de Letras (AAL), Rostand Lanverly, os casos convergem no que ele chama de “contínuo abandono da cultura por parte da comunidade pensante de Alagoas”. Assim como ele, outros intelectuais e ativistas do setor cultural defendem que é, sim, preciso socorrer esses equipamentos agora, no entanto, mais do que isso, é necessário que os setores público e privado tenham um olhar mais inteligente para a cultura.

Cerca de 60 peças das coleções Floriano Peixoto, Jonas Montenegro e Barão de Rio Branco foram levadas durante o furto. Objetos que contam parte da história de Alagoas - e do país. Entre eles estão armas utilizadas, a título de exemplo, por figuras como Marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República e o primeiro presidente do Brasil. Parte das armas foram recuperadas. Algumas delas, inclusive, estavam sendo vendidas na feira, no meio do mercado da produção.

“É muito simbólico que esses artefatos sejam recuperados assim. Ilustra o quanto os alagoanos não sabem o valor da própria história. A sociedade alagoana testemunha de boca aberta a perda dos materiais históricos do nosso país, que estão guardados no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas”, afirma Rostand Lanverly. “Comungo com a dor do professor Jayme de Altavila [diretor do IHGAL], que cuida tão bem daquele equipamento. Foi um choque saber do furto e, agora, nossa esperança é conseguir recuperar todos os artefatos perdidos”, completa o presidente da AAL.

No museu do IHGAL é possível encontrar objetos de valor inestimável. Além de relíquias, como armarias, medalhas e desenhos, há outras amostras da ascensão social e econômica de Alagoas, como o cofre do tesouro do Estado. Segundo Carlito Lima, que é membro do instituto e ativista no setor cultural, a estrutura do IHGAL precisa de melhorias urgentes, justamente para que outro furto como o que ocorreu este mês não volte a acontecer.

“Há muitos anos que nós não preservamos aquilo que é nosso. O instituto merecia uma guarda maior das autoridades locais, afinal, ele é uma dos únicos equipamentos dedicados à nossa historicidade e, atualmente, está em risco”, afirma.

“Sou membro do IHGAL e testemunha do cuidado tremendo que temos com o equipamento. As pessoas que assaltaram, com toda certeza, sabiam do valor histórico dos materiais levado”, presume Carlito.

Arnaldo Paiva, vice-presidente do IHGAL, diz que os objetos que ainda não foram recuperados representam o apagamento de parte importante da memória de Alagoas. Ele explica que parcela considerável do nosso patrimônio histórico é mantido por particulares, a exemplo do acervo do próprio instituto e da Fundação Pierre Chalita.

“Os danos causados pelos furtos desses objetos de valor histórico são incomensuráveis, pois apagam os vestígios do passado, mantendo o desinteresse e a desinformação da população sobre os nossos antepassados e os acontecimentos da história de nosso país”, afirma Paiva.

Ele defende que é preciso uma força-tarefa em prol de transformar a visão que se tem sobre o potencial, inclusive econômico, de acervos históricos e equipamentos culturais. “Somente com a participação dos vários segmentos da sociedade, como o político, o empresariado e artistas, poderemos reverter a situação vivenciada”, complementa o vice-presidente.

“A ausência de uma política permanente de incentivo ao setor cultural causa a interrupção de projetos de grande importância, como o desenvolvido no Cine Pajuçara, mantido com enorme esforço por pessoas abnegadas e amantes da arte cinematográfica”, finaliza.


CINEMA INDEPENDENTE

Mais uma vez, o Centro Cultural Arte Pajuçara recorre ao público e à sociedade para se manter aberto. Apesar de ser um equipamento cultural reconhecidamente importante, não só para o audiovisual, o local comemora seus 40 anos de história em meio a um drama: enfrenta uma ordem de despejo decorrente de dívidas de aluguel acumuladas antes mesmo da pandemia.

Para Marcos Sampaio, gestor do Centro Cultural Arte Pajuçara, tanto a situação do único cinema de rua de Maceió quanto o furto ao IHGAL são sintomas de um mesmo problema.

“É uma realidade de vários equipamentos culturais, é uma realidade nacional, visto o que aconteceu no Museu Nacional, no Museu da Língua Portuguesa, que é um equipamento mais moderno, existe um descuido em relação aos equipamentos culturais, que merecem mais cuidado, mais atenção do poder público e das instituições”, inicia.

Em relação ao Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, ele destaca que o local abriga coleções contundentes, como a Perseverança, que guarda parte da história da cultura afro-brasileira.

“O IHGAL precisava se abrir mais para a população, para as escolas, se tornar um ponto de encontro, de discussão sobre a história de Alagoas. Como cidadão e como alguém ligado à produção cultural, entendo que o instituto poderia, e pode, desenvolver um trabalho mais amplo”, ressalta Marcão. 

Segundo ele, há segmentos nas instituições e governos interessados na questão cultural. “Mas nós estamos passando por um processo de amadurecimento. Em alguns anos, saímos de um estado de uma certa letargia, de uma paralisação de todas as atividades culturais, bem antes da pandemia, com uma ausência de políticas culturais, mas nós estamos avançando nos últimos anos, existem ações e políticas que têm melhorado o acesso e financiamento da cultura”, reflete o gestor.

Rostand Lanverly diz que o Centro Cultural Arte Pajuçara é um local de resistência cultural e um ponto de memória da capital alagoana. Ele defende um reposicionamento do empreendimento frente às mudanças de comportamento da sociedade, visto que o audiovisual passa por adaptações atualmente. “É de fazer chorar o abandono da nossa cultura, pois vem a partir de um reflexo centenário da evolução cultural e da falta de apoio que o Estado, como um todo, oferece a esses equipamentos culturais”, afirma o presidente da AAL. “Esses últimos acontecimentos apunhalam não só o IHGAL e o Arte Pajuçara, mas também a sociedade cultural, acadêmica e literária, que sangra o apagamento da história. A comunidade pensante, as autoridades, que hoje estão comemorando o São João, em nenhum momento pensaram, por exemplo, no Centro Cultural Arte Pajuçara ou no IHGAL para direcionar verbas, apenas em shows”, critica Rostand.

Marcos Sampaio finaliza, num apelo para que o Centro Cultural Arte Pajuçara não tenha o mesmo fim que outros cinemas de rua tiveram em Alagoas e caia no esquecimento. "Equipamentos como o Centro Cultural Arte Pajuçara, o Instituto Histórico, Misa, Teatro Deodoro e todos os outros são fundamentais para o desenvolvimento cultural e crescimento do estado. Afinal, eles carregam consigo tanto o aspecto da memória, quanto o aspecto da circulação da cultura, são extremamente relevantes para Alagoas e devem crescer, receber apoio da sociedade, das instituições e do governo para que nós possamos pensar que Alagoas nós somos e que Alagoas nós queremos ser”, finaliza Marcos Sampaio.

O Arte Pajuçara está promovendo uma campanha de arrecadação para garantir recursos para quitar o débito de aluguel. Para colaborar, basta acessar o site “vakinha.com.br/vaquinha/ajude-o-arte-pajucara”. Por lá, é possível contribuir e saber detalhes das recompensas pela ajuda ao cinema local. Também é possível doar qualquer valor via PIX, a chave é: [email protected]

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